Com exceção da música, talvez as artes performáticas
sejam o meio de expressão mais orgânico, variado e disseminado
nas comunidades camponesas. Nesse sentido, o MST tem fornecido um espaço
importante para a preservação, o desenvolvimento e a experimentação
com as diversas modalidades da arte performática. Como se vê nas
fotos, duas formas especialmente dinâmicas incluem a dança e o
teatro, formas essas que exploram o poder simbólico do gesto corporal.
Como observa Edgar Kolling, do Setor de Cultura e Educação do
MST "A força do camponês não é a fala. Sua força
está nos gestos, na linguagem do corpo, dos braços e mãos,
onde seu trabalho físico está inscrito. [i]
O primeiro grupo de fotos, O Teatro como Ensaio para a Vida, refere-se a umprojeto
no estado do Paraná. Através de uma parceria com o Festival Internacional
de Londrina (FILO), 17 agricultores de 12 a 60 anos do Assentamento de Reforma
Agrária Dorcelina Folador, em Arapongas, iniciaram uma série de
oficinas de teatro em janeiro de 2001 com Bya Braga, professora de artes cênicas
de Belo Horizonte, e Adriano Moraes, da comissão organizadora do festival.
O resultado dessas oficinas, que tiveram lugar no Assentamento, foi a apresentação
pública, para o Festival de maio de 2001, de Nossa padaria, um exercício
teatral baseado na experiência concreta dos agricultores do MST e na peça
A padaria, do dramaturgo alemãoBertolt Brecht. O texto original, que
dramatiza a luta pela sobrevivência diária de desempregados urbanos
que se agrupam ao redor de uma padaria, foi adaptada para retratar a dura realidade
de um assentamento rural, com o ritmo pessoal de cada ator refletindo os ritmos
da natureza, do plantio e da colheita. Como mostram as imagens do boi, vibrante
e bonito, o grupo também utilizou elementos da tradição
cultural popular do Brasil rural, nesse caso o Boi Bumbá. O modelo de
encenação da peça ilustra o desejo do grupo de retirar
a prática teatral dos limites formais do teatro fixo e levá-la
para os acampamentos e assentamentos de reforma agrária, onde a terra
em si se transforma em palco para eles.
O segundo grupo de fotos, Ritmos da Terra, oferece uma introdução
à incrível diversidade de ritmos e danças no estado nordestino
de Pernambuco. A maioria dessas fotos são de performances de e para crianças
e adolescentes dos acampamentos e assentamentos do MST num encontro estadual
dos Sem Terrinha que teve lugar em Recife em 2000. Além de demonstrar
uma abertura a formas culturais relativamente novas para o Brasil, como rap
e break-dancing, as fotos ilustram as profundas raízes do MST nas diversas
expressões étnicas e regionais das tradições rurais
e urbanas. Aqui, os legados das culturas populares afro-brasileiras, indígena
e luso-brasileira e suas incontáveis misturas são bela e democraticamente
mostradas como elementos da identidade e orgulho dos Sem Terra em Pernambuco.
Várias tradições de dança são aqui apresentadas:
o xaxado, o coco, o maracatu e a capoeira. O xaxado relembra a cultura à
margem da lei dos cangaceiros, bandidos sociais (nos termos de Hobsbaum) que
cruzavam o árido sertão nordestino durante os séculos XIX
e XX, ameaçando a lei autoritária dos proprietários de
terra e dos políticos corruptos. O coco, cuja origem é atribuída
às cantigas de trabalho nas usinas de açúcar, sendo o ritmo
fornecido pelo ruído das pedras triturando a cana, mais tarde se transformou
numa variedade de danças, incluindo o coco praiano, exclusiva para homens,
e, como na foto aqui incluída, o coco do sertão, uma dança
de rodasensualpara casais. O maracatu, uma dança de carnaval que remonta
ao século XVIII, com reis, rainhas e sua corte extravagantemente vestidos,
celebra a nobreza dos afro-brasileiros apesar de sua degradação
sob a escravidão. A capoeira, arte marcial afro-brasileira, oficialmente
proibida no Brasil até a década de 1930, envolve ritmos complexos
e uma coreografia esmerada.
O último grupo de fotos são do grupo de Teatro Vida em Arte do
Assentamento de Reforma Agrária Rondinha, em Jóia, no Rio Grande
do Sul. Este grupo foi formado em 1998 e envolve a participação
de 16 fazendeiros, numa faixa etária de 12 a 32 anos. Após um
trabalho inicial com peças de Arnaldo Jabor e Alberto Siqueiras, o grupo
iniciou uma série de workshops com Túlio Quevedo, em parceria
com a Secretaria Estadual de Cultura. Tendo como objetivo o desenvolvimento
da capacidade crítica e criativa dos participantes e a produção
de um texto de autoria coletiva e uma performance, as workshops, num período
de 8 meses, envolveram exercícios de consciência corporal, jogos
de improvisação, encenação, e a pesquisa e adaptação
de textos, gestos e materiais expressivos da realidade diária do assentamento.
Em abril de 2000, este trabalho resultouna primeira apresentação
pública da primeira peça de autoria do grupo, Retorno à
Terra. A peça foi apresentada à própria comunidade, no
assentamento Rondinha, tendo também como espectadores ativistas e agricultoresdos
assentamentos vizinhos. Retorno à Terra explora as vidas de um número
de indivíduos que, despossuídos da terra, encontram-se numa praça
urbana. Há um pai desesperado à procura de sua filha que está
pensando em entrar para a prostituição, um jovem lutando para
sobreviver como camelô e um outro que decide que o negócio de drogas
é a melhor opção para a sobrevivência. À medida
em que eles refletem sobre suas circunstâncias num contexto difícil
e embrutecedor, começam a perceber que, retornando ao campo, eles podem
reconstruir sua dignidade, esperanças de uma vida melhor e relações
respeitosas com os outros. As fotos também evidenciam que as peças
incorporam elementos carnavalescos do teatro popular, como as pernas-de-pau,
faixas e uma narrativa musicalizada.
Tradução de Else R P Vieira
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[i] Entrevista de Malcolm McNee com o autor, Porto Alegre, 21 de fevereiro,
2001
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