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As Imagens e as Vozes da Despossessão: A Luta pela Terra e a Cultura Emergente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

Língua:

Português (change language to English)

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Cultura emergente por tipo de mídia -> Ensaios 3 recursos (Editado por Else R P Vieira. Tradução © Thomas Burns.)

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Cultura: A missão da arte

Autor:

Ênio Bönhenberger
(Militante do MST. Coordenador do Coletivo de Cultura do Movimento.)

Título:

A importância da arte para o MST

As vertentes artísticas do MST estão ligadas às raízes camponesas, na sua forma simples e criativa de produzir a existência. A maneira contemplativa como o Sem-Terra se relaciona com as coisas demonstra que a produção de si mesmo está vinculada à produção da existência de todas as espécies. O Sem-Terra é um ser paciente em sua origem. Pela natureza de suas atividades, obriga-se a respeitar o ciclo do desenvolvimento da natureza, para poder defender sua própria vida. É esse mistério de preparar o solo que motiva nele a força fertilizadora, fazendo-o imaginar a semente germinando, elevando-se sobre este leito vermelho, para tornar-se planta com flores, frutos verdes, depois frutos maduros, para deixar nascer a festa da colheita que se transforma em fartura, saciando as necessidades da família onde se desenvolvem outras relações, de amor e afetividade.

Na origem das letras das músicas dos poetas Sem-Terra está a vida que desabrocha do chão e passeia por outras diferentes formas de vida. Há, portanto, utopia nesse divagar sobre as coisas. O tempo da espera é um tempo fértil. É uma espera que se move em direção à realização dos sonhos ou das frustrações inesperadas. Aí o poeta se torna melancólico e canta os sofrimentos para se aliviar deles, como o lobo ferido que uiva para externar sua dor. Estas características se deslocam para as músicas que relatam a ação política e, por termos uma consciência maior de como funcionam as dificuldades, há uma mistura de revolta, melancolia e mística que promete resistência. Ao mesmo tempo em que a música denuncia, anuncia. A dor se mistura com a festa, tornando-se momentos menores dentro deste grande espaço de conquistas e vitórias que nascem no corpo da história feita.

Foram os teóricos e artistas interesseiros que divulgaram uma imagem deformada e posteriomente desenraizaram o sertanejo para urbanizar suas características. O mundo dos Sem-Terra nada tem a ver com o Jeca Tatu (2) e muito menos com o Cowboy que apenas se manifesta nos rodeios oficializando a cultura do boi, ou do colonialismo texano. O Sem-Terra é, acima de tudo, alegre e solidário, porque aprendeu a viver e a sonhar com seus semelhantes. Há arte nas formas de se organizar, educar e produzir, porque há sonhos sendo construídos pela combinação dos gestos de cada mão. A arte na luta pela reforma agrária é o elemento que dá colorido aos passos que desenvolvemos conscientemente.

Os artistas são a encarnação e a expressão de seres que aprenderam a produzir sonhos olhando para o horizonte que acena por detrás do latifúndio protegido pelo poder dos governantes e das armas assassinas. Cantar para os Sem-Terra é contar pedaços de sua história, feita pela obrigação que impõe as necessidades. Os lamentos são gemidos de dor que os poetas e cantadores captam das nuvens de rebeldia, que nasce da decisão de mover os pés para frente, em busca desta colheita coletiva. Há ainda, nesse universo, outras formas de expressão da arte, como o teatro onde as pessoas encenam sua própria história, sem escrever previamente as peças. É uma perquisa feita no arquivo de cada memória que se transforma em arte contada com o corpo, enquanto a boca fica calada para conter os soluços. A isto chamamos de mística. É o mistério de se conseguir juntar o ontem com o amanhã que se aproxima.

Temos a pintura que faz de nossas casas nos assentamentos verdadeiras obras de arte. Cada família expõe sua consciência estética a partir do que conseguiram vivenciar na dura trajetória da busca da libertação da terra e do próprio corpo. As paisagens montadas ao redor e dentro do espaço em que cada família produz sua existência, nos povoados e comunidades, são a forma prática de demonstrar que a utopia está presente em tudo o que fazemos. Os rios e lagos rodeados de árvores e flores, com casas feitas ao pé da montanha, com animais servindo de brinquedos para as crianças, estão no quadro da vida, pintados pela própria capacidade que cada um tem de conviver, demonstrando que somente é arquiteto dos próprios sonhos aquele que consegue fazer de sua existência uma pintura viva e se modifica a cada movimento da respiração.

A arte é, portanto, o fator que unifica pela beleza e dá criatividade aos passos que damos em busca da construção de uma nova sociedade. Sem a arte, a luta se entristece. As pessoas deixam de ser autênticas na busca de suas próprias fantasias e passam a construir as fantasias alheias.

Nota do editor: O Jeca Tatu é um estereótipo negativo do homem do campo brasileiro que se consolida na sua representação literária em Urupês, de autoria de Monteiro Lobato (1918). Ele é um ser doentio, indolente, desanimado, atrasado, fatalista e ingênuo. Mais tarde, Monteiro Lobato passou a entender que a preguiça não era um atributo do homem do campo, mas resultante de doenças e da miséria em que vive; novas histórias foram escritas nas quais o Jeca Tatu se cura, promovendo uma mudança social.

Data:

novembro de 2002

Recurso ID:

IMPORTAN260

		À Universidade da página bem-vinda de Nottingham

Vozes Sem Terra, site hospedado pela
School of Languages, Linguistics and Film
Queen Mary University Of London, Grã-Bretanha

Coordenadora do Projeto e Organizadora do Arquivo: Else R P Vieira
Produtor do Web site: John Walsh
Arquivo criado em janeiro de 2003
Última atualização: 07 / 05 / 2016

www.landless-voices.org