As composições aqui reproduzidas refletem uma das várias
pedagogias do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a pedagogia
da história. Como as crianças percebem e representam não
só o processo de exclusão social ao longo da história brasileira
mas também o processo de reintegração através do Movimento
são reflexões que perpassam seus textos.
As composições também refletem os objetivos do projeto
educacional do Movimento nos termos de Roseli S. Caldart(1): a recuperação
de um senso de dignidade pelos Sem Terra, o desenvolvimento de uma identidade
social para os que perderam suas raízes, bem como a construção
de um projeto de vida. Lacunas graves compõem a realidade rural brasileira,
sendo a falta de acesso à educação básica para muitas
crianças um outro componente do quadro geral de exclusão social
dos despossuídos. O desenvolvimento de uma c ultura do direito à
educação é o que sobressai na apresentação
da antologia Feliz Aniversário MST, da qual alguns dos textos aqui incluídos
foram retirados:
Também registramos em nossa história, e com especial orgulho,
as mais de 100 mil crianças e adolescentes que estudam em escolas conquistadas
nas áreas de assentamento e acampamento, as cirandas infantis que aos
poucos vão produzindo a cultura do direito à educação
infantil no campo; também um movimento de alfabetização
de jovens e adultos que envolve cerca de 20 mil educandos, e a formação
de técnicos e educadores em cursos de nível médio e superior,
assim como diversas outras iniciativas de formação de nossa militância
e do conjunto da família Sem Terra(2).
Os textos dos Sem Terrinha aqui incluídos foram selecionados de três
antologias que reúnem trabalhos premiados em concursos nacionais anuais
de desenho e redação promovidos pelo MST nas escolas dos acampamentos
e assentamentos. Os temas, compartilhados com os concursos de gravuras igualmente
representado neste Website, se relacionam a três debates importantes(3):
O primeiro deles, O Brasil que queremos ter, proposto em concurso realizado
no ano de 1998, fornece às crianças que crescem com a destituição
a oportunidade de expressar suas denúncias, expectativas e aspirações
de vida. Compõem esse triste mosaico, mais especificamente, o questionamento
da exclusão, dos massacres, do preconceito racial; a denúncia
da permanência de padrões escravocatas e da negligência do
governo, por exemplo, na resolução do problema da irrigação
no Nordeste; a afirmação do direito à expressão,
ao sonho, a uma sociedade mais egalitária, à moradia, à
vestimenta, à alimentação, à assistência médica
e à dignidade do trabalho.
Em 1999 foi realizado um segundo concurso em torno dos 15 anos do Movimento,
intitulado Feliz Aniversário MST! As alternativas à exclusão
e o espaço de esperança propiciados pelo Movimento ressaltam na
composição de uma criança nordestina que teria, caso contrário,
como única alternativa, o destino de retitante ou morrer de fome, como
já ocorrera com o irmão. Uma importante contribuição
das crianças é a produção de poemas dentro da tradição
do cordel, típica do nordeste e que exerce um papel importante de registro
e veiculação da história em sociedades rurais tradicionaois
onde predominam o analfabetismo e uma cultura oral. O registro da memória
do Movimeto traz à tona sua emergência durante a ditadura e sua
expressão contra o autoritarismo através de marchas que revitalizavam
também uma consciência política adormecida. Dentro de uma
postura mais analítica, as crianças avaliam sua própria
experiência de resistência no período passado nos acampamentos
e a consciência política dela advinda. Fartura, dignidade e conhecimento
são dimensões de vida que as crianças associam ao MST.
O concurso realizado no ano 2000 trouxe à tona um forte questionamento
da história oficial, mais especificamente da história do descobrimento
do Brasil, comemorado em abril desse mesmo ano. A proposta temática do
concurso, Brasil, quantos anos você tem?, introduz, de imediato, um discurso
problematizador, inclusive da própria cronologia oficial. Os excluídos
da história passam a compor o quadro de atores sociais dessa história
que se deseja reconstruída: os negros, os índios, as prostitutas,
os menores abandonados e os próprios despossuídos da terra. A
farsa democrática, a mera troca de poderes imperialistas e o visível
crescimento da pobreza finalmente compõem a agenda dessas crianças
que revelam um profundo senso de história e uma acentuada consciência
política.
Muitas das gravuras premiadas nesses concursos se encontram no arquivo Gravuras
das Crianças neste Website.
1. Veja o ensaio de Roseli S. Caldart neste website.
2. Apresentação”, in Alípio Freire, Silvana Panzoldo and
Emílio Alonso (org.). Feliz aniversário MST! São Paulo: Editora
Lidador, 2000.
3. Desenhando o Brasil (1999), que também incluiu composições
com o tema O Brasil que queremos ter; Feliz aniversário MST! (2000) e Brasil
quantos anos você tem? (2001) , organizado por Alípio Freire, Silvana
Panzoldo e Emílio Alonso (São Paulo: Editora Lidador). Os dados
sobre os autores foram obtidos das mesmas antologias. Todas as composições
originalmente tinham os mesmos títulos guarda-chuva acima.Os sub-títulos
específicos acrescentados foram retirados dos textos de cada autor. Os
textos são aqui reproduzidos com a autorização do MST de
São Paulo.
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